Thursday, June 08, 2006

TELAS EM BRANCO

Ideia: Trabalhar com o branco, não como a ausência de cor mas como o acumular de todas as cores. Em termos técnicos, a tela começa escura e vai clareando, até se chegar ao branco total ou com diferentes tonalidades. Trata-se do processo oposto ao de se adicionar cor, escurecendo-se a tela até se chegar ao preto.
Os textos que foram surgindo ao mesmo tempo que os quadros foram sendo pintados, pretendem negar a separação entre a pintura e a escrita. Os textos foram apresentados em setas de preços de supermercado(em cima Creep1 e Creep2)

Data da realização: 29 de Novembro a 7 de Dezembro de 2002
Local: Palácio da Independência
Materiais: oito trabalhos em acrílico e colagem sobre telas de várias dimensões

Casa Branca
A ideia era chegar à casa branca.
Para lá chegar o caminho era íngreme. Pela diferença de tons, do mais escuro ao mais claro, percebia-se que não devia ser fácil subir.
Entrei na rua estreita e encurvada. Vi um cão pequeno, com o pelo branco, curto e encaracolado. O cão dirigiu-se a mim e perguntou-me se estava perdida. Disse-lhe que queria ir para a casa branca no topo da encosta. O cão fugiu.
Decidi avançar pela rua calcetada de preto com varandas de ferro forjado. O ar tornava-se rarefeito à medida que subia. Tirei os óculos escuros e imediatamente vi o cego com os seus postos. Ouviu-me e chamou o meu nome. Assustei-me e fiquei ainda com menos ar. Ia custar chegar à casa branca se, de esquina em esquina, me interrompiam.
O cego perguntou-me: "Outra vez a querer espreitar a vida dos outros? Não lhe bastou ver a casa vazia? Já lhe dissemos que era inútil querer ver lá alguém."
Ele tinha razão. Era a terceira vez que subia à casa branca.

Passar despercebido
O negro ouviu mas não levantou a cabeça.
O bar estava cheio. A maioria eram negros, sozinhos ou dois a dois, a comer em silêncio.
Cinco brancos discutiam. Dois deles estavam exaltados e insultavam-se. As vozes enchiam a sala e era impossível deixar de os ouvir.
O negro nem levantava a cabeça. Anos e anos a não levantar a cabeça com medo que alguém se apercebesse que ele estava vivo. Não existir, não fixar o olhar, passar despercebido. Se o branco e a vida não me virem eu não existo e talvez possa viver mais uns anos.


Afogada
Um dia comecei a beber vinho decidida a parar apenas uns minutos antes de morrer. Tinha visto isso num filme. Tal como o protagonista também não sabia porque razão queria morrer. Acho que ambos apenas queríamos beber para nos afogarmos por dentro.
Não consegui morrer porque não consegui parar de beber.



Esta casa não é minha
Não consigo entrar na casa. A casa é daquela que eu fui outrora. Eu já não sou essa, nem pior, nem melhor, apenas diferente. A casa pertence aos meus mortos, alguns deles ainda vivos. Eles que fiquem com ela. A casa é o seu túmulo.




Mente perfeita
Para Platão, a mente estava na cabeça, uma esfera, a forma geométrica perfeita.
Na sua cabeça, uma esfera perfeita, nasceu uma pequena esfera, também ela uma forma geométrica perfeita. Os médicos disseram que ela já lá estava há muito tempo. Seria fácil removê-la numa questão de horas.
Não se despediu da mulher nem dos filhos. Todos ficaram por ali à espera que a operação terminasse.
Afinal a pequena esfera perfeita era maior do que se pensava e a operação não correu bem. A sua cabeça nunca mais voltou a ser uma esfera perfeita porque lhe faltava a pequena esfera que a tornava perfeita.

Corpo perfeito
Na Universidade Maharishi (Iowa, EUA) oferece-se um conjunto completo de disciplinas académicas para gerir com sucesso todos os campos da vida, obtendo-se formação em ciências da Inteligência Criativa. Esta é também a base de um conjunto de produtos de saúde e beleza para venda aos que querem um corpo perfeito numa mente perfeita.
Inscreveu-se, dizendo que queria apenas o corpo perfeito. Responderam-lhe, explicando que não faziam milagres.